A primeira vez que eu a vi foi numa quarta-feira. Eu procurava por uma outra paciente, e ao olhar para dentro de um quarto vi a Renata chorando. Uma jovem senhora com pouco mais de 30 anos, que não era quem eu buscava, chorando! Quem me conhece sabe que se há uma coisa que me deixa sem saber o que fazer é ver uma mulher chorar. Timidamente falei "Não sei se cheguei em boa ou má hora". Ela, enquanto se recompunha, pediu que eu entrasse. Conversamos mais ou menos por meia hora.
Chorava de saudade dos pais e do irmão. Estava internada há 8 dias. Nunca havia ficado doente. Dois meses antes começou a sentir uma dor de cabeça terrível, fez os exames e foi constatado um tumor no cérebro.
Ela se abriu bastante comigo. Contou, por exemplo, que há 3 anos o marido a traiu, e isso fez com que ela voltasse a morar com a família, aos quais se apegou muito.
Disse-me que fez de tudo para segurar o marido. Quando ela falou isso, eu lhe disse que não é tudo que devemos fazer para segurar alguém (marido, filho, amigo ...) ao nosso lado. Amor demais ou de menos é egoísmo.
Lhe declarei que Deus nos ama na medida certa. Mesmo sabendo que corre o risco de sofrer. Assim é o verdadeiro amor.
Esse conceito a fez afirmar, maravilhada, que antes não via mais possibilidade de pensar em um outro amor que não fosse para o pai, mãe e irmão, mas agora seu horizonte se expandia. Até mesmo para com Deus!
Com a nossa conversa ela acalmou e disse que gostou bastante do papo.
Quinta-feira. A vi rapidamente, pois ela ia conversar com a mãe sobre a cirurgia que faria no dia seguinte. Deixei um folheto evangelístico. Ela se mostrou extremamente receptiva, e prometeu que o leria à noite.
Sexta-feira. A Renata amanheceu com uma cefaléia fortíssima. Com isso, a cirurgia teve que ser adiada. Estava tomando morfina. Só lhe falei que ia orar por ela.
Sábado. Ela passou por uma cirurgia.
Domingo. Me informaram que seu estado era crítico.
Segunda-feira. Com pesar, a enfermeira me informou que tinha sido “Aberto Protocolo". Como eu não soubesse o que era isso, perguntei, e ela me ensinou que havia suspeita de morte encefálica, e que seriam feitas as investigações necessárias.
Será que a Renata leu o folheto? Foi sua última chance.
Terça-feira. Quadro clínico inalterado. Estavam dando banho nela. Me passou pela cabeça questionar a razão de se dar banho nela. Isso demonstra o cuidado e o respeito da equipe de enfermagem pela paciente.
Quarta-feira. Uma semana depois de eu a ter conhecido, ela morreu.
Caro Chico,
ResponderExcluirÉ esse privilégio de levar Deus a quem precisa que faz a grandeza de seu trabalho missionário. Nem que seja na última hora. Aliás, Deus não tem hora para chegar. Talvez por isso alguns digam que "Deus é brasileiro", parafraseando o dito popular. Seu texto me fez pensar que não existe uma medida certa para Deus. Ele é infinito, e mesmo chegando no último instante, Ele vem com tudo o que O caracteriza: amor, perdão, compaixão. Então, aquele que o recebe, ainda que no instante final, recebeu tudo, por completo. Fico feliz que você tenha levado Deus para essa mulher!
Deus o abençoe, meu caro irmão!
Meu caro Lacerda, uma das coisas que me levou a fazer o trabalho de capelania hospitalar é que ALGUÉM TEM QUE ESTAR LÁ. Eu gosto de estar à disposição de Deus. Eu gosto de estar lá por isso: o poder de Deus se manifestando através desse pecador.
ResponderExcluirObrigado, mais uma vez, por sua amizade.
Um abraço, Xyko.
Essa história mostra a importância do seu trabalho, mostrando que sua palavra pode mudar vidas de quem muitas vezes já havia perdido a esperança.
ResponderExcluirLevar Deus aos corações é uma linda missão! Parabéns!
Chico, sua ultima frase é uma verdade... " quem serve ganha muito mais do que quem é servido" e aqui estou eu para confirmar tuas palavras.
ResponderExcluirtenho ganhado muito, mais ate do que poderia esperar.
Que Deus continue a te abençoar em seu trabalho no HC-Unicamp
Juliana =)
ps: ja aproveito para dizer que seu texto sobre xadrez é otimo!
Bel e Ju:
ResponderExcluirVocês são muito amáveis, muito obrigado. Quanto ao trabalho no HC, o que mais precisamos é de orações.
Façam isso por nós.
Um abraço,Xyko.