terça-feira, 15 de janeiro de 2008
COMO TUDO COMEÇOU
Quero compartilhar com vocês o que me levou a desenvolver um ministério no Hospital das Clínicas da Unicamp. Tudo começou numa certa noite, enquanto eu assistia a um filme com minha esposa, a Denise, "Os Últimos Passos de um Homem", estrelado por Susan Sarandon. Se você ainda não viu, procure assistir porque vale a pena.
Esse filme conta a história de uma freira cujo trabalho era acompanhar os prisioneiros condenados à pena de morte até o momento da execução. Sua função era preparar essas pessoas, através de algumas atividades específicas, para a morte, principalmente no plano espiritual.
Logo que terminou o filme, ocorreu-me o seguinte pensamento: e aquelas pessoas que estão morrendo nos hospitais, quem estaria disposto a acompanhá-las até o momento da morte? Quem poderia prepará-las para enfrentar a morte e para o que vem depois da morte? Naquele mesmo instante, orei ao Senhor dizendo: "Meu Deus, se é isso que o Senhor quer que eu faça, estou pronto a fazer".
Para saber se esta realmente era a vontade de Deus para minha vida, procurei saber a opinião de algumas pessoas. A primeira pessoa que consultei foi a Denise, que achou a idéia excelente. Em seguida, consultei a liderança da minha Igreja, que me assegurou seu apoio. Por fim, busquei o conselho de alguns amigos mais chegados, e todos foram unânimes em me incentivar a começar esse ministério.
Assim, não havendo mais dúvidas quanto a essa questão, a única coisa a fazer era tomar coragem para deixar o emprego e começar uma nova vida.
Depois de estar convicto de que era da vontade de Deus que eu começasse um ministério de Capelania dentro do Hospital das Clínicas da Unicamp, comecei a orar e a me perguntar de onde viriam os recursos. Na época, eu trabalhava em uma firma comercial e, embora meu salário não fosse grande coisa (eu ganhava por comissão e os negócios não estavam indo nada bem), temia pedir demissão e ficar totalmente na dependência de Deus. Eu não ganhava nenhuma fortuna, mas pelo menos ganhava alguma coisa.
Certo dia, li a seguinte passagem:
Veio-lhe a palavra do SENHOR, dizendo: Retira-te daqui, vai para a banda do oriente e esconde-te junto à torrente de Querite, fronteira ao Jordão. Beberás da torrente; e ordenei aos corvos que ali mesmo te sustentem. Foi, pois, e fez segundo a palavra do SENHOR; retirou-se e habitou junto à torrente de Querite, fronteira ao Jordão. Os corvos lhe traziam pela manhã pão e carne, como também pão e carne ao anoitecer; e bebia da torrente. Mas, passados dias, a torrente secou, porque não chovia sobre a terra. (1 Reis 17.2-7)
Comecei então a pensar: Deus podia muito bem fazer com que os corvos trouxessem um jarro de água fresquinha para Elias depois que a torrente secou. Deus certamente poderia ter feito isso. Mas por que não fez? Porque essa foi a forma que o Senhor usou para fazer com que Elias saísse de Querite e fosse para Sarepta (leia os versículos seguintes na sua Bíblia). De certa forma, foi isso que Deus fez na minha vida: já que me assustava a idéia de sair da firma, Deus fez com que a firma fechasse!!! Depois disso, é claro, passei a me dedicar totalmente aos pacientes do Hospital das Clínicas, e desde então tenho sido sustentado fielmente por esse Deus maravilhoso que nós temos.
Foi numa segunda-feira à tarde, dia 26 de maio de 1997, que entrei no HC para combinar os detalhes do meu trabalho ministerial com o pastor Sílvio. Um amigo, Márcio, prontificou-se a me levar até lá. Ele me deixou na entrada do Hospital, numa espécie de praça, e foi estacionar o carro. Enquanto isso, fiquei parado ali, observando as pessoas que entravam e saíam do hospital. Algumas caminhavam em direção à lanchonete, outras esperavam nas filas para passar pelo médico, e aquelas que tiveram a sorte de terem sido atendidas, agora aguardavam os ônibus para levá-las de volta para casa. Homens, mulheres, crianças, jovens e idosos. Pessoas cuja beleza está escondida pelos sofrimentos e dificuldades da vida. Povo sofrido! Povo carente!
Foi neste momento que percebi claramente que Deus me queria ali, naquele lugar, junto àquelas pessoas. Era ali que Deus queria que eu gastasse a minha vida, procurando atender na medida do possível as necessidades físicas, materiais, intelectuais, emocionais e, principalmente ESPIRITUAIS daquela gente sofrida.
Nesses quase 11 anos de ministério, tenho convivido com pacientes aidéticos, com câncer, ossos quebrados, e todo tipo de doenças. Tenho conversado com bandidos, policiais, prostitutas, travestis, idosos. Muitos permanecem internados por vários meses, outros vão passar o resto da vida no hospital. Gente rica e gente pobre, niveladas pela dor, pelo desespero, pelo medo da solidão e da morte. Pessoas convertidas e não convertidas. Através das experiências que tenho vivido, pude aprender que nem sempre Deus quer curar a doença, mas Ele SEMPRE quer curar a pessoa. Tenho visto Deus se manifestar de uma forma maravilhosa ali naquele Hospital. Mas o mais extraordinário é que aqueles que, como nós, dedicam-se a visitar os doentes, são mais abençoados do que aqueles que recebem as visitas! Isto é o que acontece quando fazemos exatamente o que Deus quer façamos.
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Meu caro e saudoso Chico Motta,
ResponderExcluirNão temos convivido regularmente, nestes últimos tempos, mas tenho lido tudo o que vc escreve. Nem sempre me animo a comentar, mas, diante deste capítulo histórico, não pude me omitir.
Seu trabalho no HC é único e não conheço outros que façam algo nem parecido. Eu estive no HC, ao vivo, ao seu lado, por duas vezes, e vi olhares brilhando em sua direção, um odorzinho de esperança no ar, uma chama de fé ali no canto, algumas meio incertas ainda. Mas, lá estava você, com seu jeito peculiar de falar, com voz de locutor de FM, aquilo que a alma ali à sua frente queria ouvir. Isto é amor ao próximo, o resto é balela!
Eu oro a Deus para que o conserve com saúde, pois você é um de Seus apóstolos vivos, levando a palavra a quem precisa, e não um pastor burocrata que passa a vida em atitude contemplativa.
Você vai, e dá o recado de Deus. Você ameniza a dor dos que sofrem. Você converte os que estão em dúvida, e os que já sentem o cheiro da morte por perto.
Chico, graças a Deus que a empresa onde vc trabalhava fechou!
O HC - e todos nós que o conhecemos bem - precisamos mais de vc do que qualquer empresa.
Fique com Deus e com meu eterno respeito pela seu trabalho missionário