sexta-feira, 30 de maio de 2008

DIA DE LUTO

Naquela tarde eu tinha me esquecido de levar o meu relógio e por essa razão não posso precisar a que horas me chamaram para atender uma emergência no Pronto Socorro. Mas foi em torno de 2 horas da tarde. Uma mãe tinha acabado de perder a filha de 15 anos e, devido ao choque emocional começou a passar mal e por isso foi atendida no PS. Eu fui chamado para socorrê-la.
Ela estava desesperada, chorando, gritando pela filha e dizendo que estava doendo muito. Já haviam dado um sedativo, e agora era a minha vez de atendê-la. O primeiro procedimento nesses casos é fazer perguntas diversas que façam o paciente tirar o pensamento da dor e se “distrair” concentrando-se na respostas. Foi o que fiz:
Qual é o seu nome?
Em qual bairro a senhora mora?
Quantos ônibus a senhora pegou para chegar aqui?
A senhora almoçou? O que?
Com isso ela se acalmou. Mas começou a queixar-se de dor de cabeça. Chamei a enfermeira, e ela mediu a pressão da paciente e constatou uma leve queda na mesma. Mais um remedinho e aquela triste mãe deitou-se na maca e chegou a adormecer.
Naquele box de atendimento do PS ficamos a paciente, a filha mais velha dela e eu. A filha apoiou os braços na maca, a cabeça nos braços e chorando, conversou comigo não sei quanto tempo, pois eu não estava de relógio. As palavras saiam tão copiosamente quanto as lágrimas! A irmã havia morrido momentos antes nos seus braços, depois de muito sofrimento, mas muito sofrimento mesmo, pois ela sentia dores fortíssimas que nem morfina aliviava.
Eu estava deveras preocupado com o horário, pois tinha que estar no escritório da Capelania às 16:50, e eu nem sabia que horas eram, mas resolvi deixar Deus cuidar disso para mim. E fiquei lá, sentindo a dor daquela família como se fosse a minha dor.
“Por que Deus sempre mexe onde dói mais?” ela me perguntou. Eu não soube responder na hora, mas mais tarde concluí que Deus sempre mexe onde for necessário para termos um relacionamento com ELE. Minha mãe perguntou-me um dia “por que é que quando estamos com um dedo machucado sempre batemos com ele?”, mas na realidade nós estamos sempre batendo com aquele dedo mas, como ele está mais sensível, dói mais. Acho que é isso que acontece, Deus tem que mexer nas nossas partes mais sensíveis.
O que mais nos consolava era saber que a menina que morreu era convertida (ela havia se batizado ali mesmo no hospital, uma semana antes!), mas assim mesmo doía muito. Duro é para quem fica. Duro é depois arrumar os pertences de quem se foi, É a saudade. É pensar que temos que continuar ...
Até que finalmente a enfermeira veio nos avisar que a médica considerava a paciente pronta para ir para casa. Ajudei-a a calçar os sapatos, a descer da maca, e despedi-me delas.
Quando cheguei no escritório olhei em um relógio. Eram 16:50.

2 comentários:

  1. Pena que você nem sempre possa estar junto de todas as pessoas nesta hora

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  2. Obrigado pelo comentário. Por favor, ore por nós.

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