sábado, 23 de janeiro de 2010

DE CORPO E ALMA


O meu trabalho junto ao Serviço de Capelania do HC-UNICAMP me proporciona a oportunidade de acompanhar pessoas que estão morrendo. Coloquei no gerúndio de propósito, porque a morte faz parte do processo da vida. Com isso, já vi muita gente morrer, e quando compartilho uma ou outra dessas experiências com alguém, quase sempre as pessoas (geralmente os evangélicos) me perguntam se o falecido era “salvo”. Essa pergunta visa esclarecer se a alma, daquele cujo corpo parou de funcionar, está no céu ou no inferno. Invariavelmente minha resposta tem que ser algo parecido com “Eu acho que ...”.
Creio que não dá para sabermos, com certeza absoluta, se uma pessoa se converteu verdadeiramente ao cristianismo. Vamos chamar de Plano da Salvação uma explicação formal da situação do homem decaído e da obra redentora de Jesus Cristo. Já vi pessoas serem expostas a esse plano, aceitarem-no e dali para a frente viverem em verdadeira comunhão com Deus. Como também já vi outros indivíduos aceitarem tal plano, verbalizarem tal adesão, em alguns casos até se batizaram, e suas vidas demonstram claramente que eles não teem nenhum relacionamento com Deus. Outros não sabem dizer quando se converteram, mas sabem que são cristãos e testemunham isso de uma maneira inequívoca. Há também aqueles que vivem dentro da Igreja, são ativos e, cá entre nós, não teem nada de cristãos!
A salvação é uma coisa essencialmente pessoal, interna. É só entre a pessoa e Deus. Li certa vez que a pedrinha citada no versículo abaixo significa exatamente isso:
“Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: Ao vencedor, dar-lhe-ei do maná escondido, bem como lhe darei uma pedrinha branca, e sobre essa pedrinha escrito um nome novo, o qual ninguém conhece, exceto aquele que o recebe.” (Apocalipse 2:17)
Atente então agora para esse outro versículo que, penso eu, pode lançar mais luz à nossa reflexão:
“Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo.” (Romanos 10:9)
Por que o confessar é com a boca? Pelo seguinte:
“O homem bom do bom tesouro do coração tira o bem, e o mau do mau tesouro tira o mal; porque a boca fala do que está cheio o coração.” (Lucas 6:45)
A nossa parte mais íntima é o coração, o centro das nossas decisões. O único que tem pleno acesso ali, além de nós mesmos, é Deus. E é ali que acontece a conversão. Ou não.

Um comentário:

  1. Caro Xyko,

    Em nossos dias há um intenso movimento de retorno à mística, não necessariamente confessional. Muitos buscam a interiorização, a busca do divino dentro de nós e acabam se perdendo numa espiritualidade egocêntrica e individualista.
    Outros buscam uma espiritualidade cósmica e acabam deixando sua identidade se enfraquecer e se misturar com o todo de um universo infinito que confundem com deus...
    O que pode levar a uma espiritualidade mais equilibrada é a figura do outro, principalmente o outro pobre. Ele é que vai tornar nossa espiritualidade combustível para as mudanças necessárias em nossa sociedade. Ele expõe e denuncia as contradições e injustiças do mundo que Jesus se esforçou tanto em mudar...
    A espiritualidade equilibrada acaba desencadeando um compromisso (missão) com Deus, conosco mesmos e com o outro, e isso já é salvação...


    Paz,

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