Talvez você não acredite, mas no sótão lá de casa tem um monstro. Como todo monstro ele é horrível, mas eu gosto de brincar com ele. Esse incrível morador do meu sótão é daqueles monstros que de tão feios acabam sendo bonitinhos. É agradável estar lá em cima, gostoso mesmo.
No começo eu brincava só um pouquinho e estava bom, depois eu ia querendo sempre mais, e mais. No fim eu acabo gastando tempo demais ali; deixo de fazer um monte de coisas importantes só para brincar com ele. Depois só fica aquele como se fosse um gosto amargo na boca.
E para subir é tão fácil! Basta subir a escadinha. O primeiro degrau é lembrar que “todo mundo faz, por que eu não posso?”; o segundo é só pensar que “eu mereço”; o terceiro degrau é afirmar com convicção que “essa vai ser a última vez”, e assim por diante.
Já cansaram de me falar que um dia esse monstro vai me matar, e eu acredito nisso, mas eu gosto tanto de brincar com ele que tenho pena de matá-lo.
Você pode estar se perguntando quem é que alimenta o monstrengo. Pode parecer incrível mas ... sou eu mesmo. É isso mesmo, tenho que reconhecer, quem dá comida para ele, regularmente, sou eu.
Quando me falavam que eu estava viciado nisso eu negava, enganando só a mim mesmo. Eu afirmava que poderia parar a hora que quisesse. Doce ilusão!
Diversas vezes decidi que não subiria mais lá. Cheguei a contar quanto tempo fiquei sem subir. Se não me engano meu recorde foi 2 meses, 3 dias e 14 horas. Agora imagina a frustração quando não aguentei mais e brinquei com ele.
Hoje eu não conto para ninguém que vou lá. Tenho vergonha e medo. Já tentei, mas os que ficaram sabendo me trucidaram. Acabaram comigo com acusações, broncas, sermões e desprezo. Nenhum deles confessou que tem lá seu adorado monstrinho, ou no sótão ou no porão de sua casa. O pior é que eu sei que todos possuem um, maior ou menor do que o meu. Se pelo menos um deles tivesse compartilhado essa falha mais íntima comigo, eu não me sentiria tão só, e assim não precisaria me esconder no sótão e brincar com meu adorado monstro.
Você tem sótão na sua casa? E porão?
E um ... nem preciso perguntar, pois eu sei que tem.
Poi é, Xyko, as vezes o monstrinho não fica nem no sótão, nem no porão, fica descaradamente no canto da cozinha: a geladeira.
ResponderExcluirCaríssimo,
ResponderExcluirInteressante, a palavra monstro (lat. mostrare) significa mostrar, tornar evidente. Logo, monstro é aquele que se mostra, que torna evidente algo anômalo, que chama a atenção por se diferenciar do que é considerado normal. O dicionário ainda define monstro como o indivíduo que causa espanto, pessoa cruel ou horrenda.
Em oposição ao belo, pode-se estabelecer a relação em que belo seria algo para ser visto, enquanto que monstro seria aquilo que deveria ficar oculto mas se mostra.
Todos nós realmente temos essa porção que não gostaríamos que fosse exposta, mas ela está lá, faz parte de nós, negá-la é o começo da doença, da neurose...
Os psicanalistas dizem que temos que aceitar e "domesticar" esse monstro, essa sombra, e integrá-lo... trazê-lo à luz, assim ele deixa de nos assombrar e colocar medo nos outros.
Aceitá-lo nos outros então, é o começo do fim do preconceito e discriminação...
Não é fácil...
Paz,