sábado, 29 de maio de 2010

CONCEITO E PRECONCEITO

Um professor do ensino médio me relatou um fato que lhe ocorreu. Dois de seus alunos assistiam a um vídeo no Youtube. A imagem e a voz eram de um adolescente, que falava com um forte tom afeminado. Os rapazes davam gargalhadas, de modo que o professor se aproximou para ouvir. Porém, não havia nada de divertido na fala, riam simplesmente dos trejeitos de quem falava. Disse-lhes, então: “isso que vocês estão fazendo é um desrespeito com essa pessoa. Desculpem-me, mas não acho a menor graça”. Um deles tentou consertar: “eu não tenho preconceito. Acho que se a pessoa quer ser homossexual é um problema dela, e não há nada de errado nisso”. E, sem pensar no que dizia, depois completou: “Mas acho muito engraçado o jeito que eles falam”.
O que disse esse jovem deve ser meditado um pouco mais a fundo. Será que o simples fato de se divertir do jeito diferente do outro não é uma forma cruel de preconceito? Por outro lado, ter um conceito negativo ou positivo sobre algo implica necessariamente ter preconceito com quem é ou pensa de forma diversa? Mais explicitamente, ter a convicção de que o homossexualismo não é algo intrinsecamente bom significa, inexoravelmente, ter preconceito contra o homossexual?
O Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, de Francisco da Silveira Bueno (Rio de Janeiro: FENAME, 1982), dá uma definição interessante de preconceito: “conceito antecipado e sem fundamento razoável; opinião formada sem reflexão (...)”.
Taxar de engraçado o jeito de falar, ou mesmo debochar da pessoa pelas costas denotam uma falta de consideração, uma opinião pejorativa sem qualquer fundamento. É, portanto, um preconceito.
Por outro lado, é possível que se tenha uma convicção muito bem ponderada e refletida sobre o homossexualismo, sem que isso possa ser tido como preconceito. Pode ocorrer, por exemplo, que alguém tenha ponderado a fundo sobre o tema e, após uma criteriosa análise, concluiu que é da essência da união conjugal a diversidade dos sexos. Pode-se estar convicto de que é necessária a diferença para que homem e mulher se complementem exatamente naquilo que o outro não possui e, a partir disso, conclua que o homossexualismo é algo intrinsecamente contrário à natureza humana.
Nesse caso, ao manifestar sua opinião não se pode dizer que tenha um preconceito contra o homossexual. Ao contrário, tem um conceito sobre o homossexualismo, com um fundamento razoável, fruto de criteriosa reflexão. E essa opinião é digna de respeito, como também o é a opinião contrária.
Ao se formar esse conceito, porém, não se autoriza qualquer atitude discriminatória, e tanto menos faltar com o respeito com quem faz tal opção ou simplesmente tenha opinião contrária. Tanto menos se justifica qualquer atitude discriminatória em relação ao homossexual.
Certa vez, um palestrante, que possuía essa mesma opinião sobre o homossexualismo, foi interpelado por um ouvinte que disse: “eu penso mais ou menos como o senhor, mas tenho uma filha que é homossexual e vive com outra mulher. O que devo fazer?”. O palestrante fitou-lhe nos olhos e disse simplesmente: “Já disse tudo o que penso sobre o homossexualismo. E agora te digo que, se isso acontecesse comigo, essa filha seria a que mais teria o meu carinho. Por certo ela já sofre muito, principalmente pela discriminação. Não diria jamais a ela que a opção que fez é boa. Também não acredito que ela encontrará, por esse caminho, a sua plena realização enquanto pessoa. Mas a respeito e, como pai, a amaria sempre e incondicionalmente”.
E depois concluiu: “não ter preconceito não significa chamar o erro de acerto ou o preto de branco. Nem muito menos transigir com a verdade em que se acredita. Significa tratar a todos com imenso respeito, fruto de um amor desinteressado, que não vê nos outros brancos, negros, pobres, ricos ou seja o lá o que for, mas simplesmente pessoas e, como tais, dignas de serem amadas e respeitadas sem qualquer condição, e sem esperar nada em troca”.
Fábio Henrique Prado de Toledo. Juiz de Direito em Campinas.

2 comentários:

  1. Muito bom esse texto! concordo com cada palavra desse juiz! Tenho visto muita gente que se diz cristã adotar uma atitude altamente discriminatória para com os homossexuais, alegando que essa é uma postura bíblica. O fato de tratar os homossexuais com o devido respeito não significa que concordo com seu estilo de vida. Jesus nunca hostilizou as pessoas marginalizadas (prostitutas, publicanos, samaritanos etc.)nem dirigiu-se a elas com palavras duras. Ao contrário, sua atitude sempre foi de acolhimento, buscando a restauração. As palavras duras Ele reservou para aqueles que se diziam religiosos e se achavam melhores que os demais (escribas e fariseus). Isso me faz pensar que muitas vezes, no meu íntimo, eu me considero uma pessoa boa, digna de ser amada por Deus. E é nessas horas que me parece injusto o fato de Deus amar pessoas tão "pecadoras"... Daí passar para o preconceito é um pulo!

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  2. Perfeitos o texto e o comentário da Heloísa, muito bons e concordo plenamente com ambos...
    Faço aqui uma reflexão a mais:
    Discuto se a hetero ou homoafetividade são realmente "OPÇÕES"... apesar de todo o esforço para não se classificar a homossexualidade como doença (e acredito que realmente não seja), podemos encará-la como uma constituição diferente da estrutura psíquica do indivíduo, que o torna propenso a desejar indivíduos do mesmo sexo.
    Acredito que se há alguma opção ela é de assumir ou não essa condição abertamente, o que sempre vem acompanhado de grande sofrimento nesta nossa sociedade preconceituosa e cruel com os diferentes...
    Considerar a inclinação afetiva como opção só aumenta o risco de julgamento moral e discriminação da pessoa...
    Sempre foi dificil nos assumirmos como realmente somos numa cultura superficial e de aparências, quanto mais para aqueles que não se enquadram nos modelos impostos e cultuados...


    Paz,

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