Certa vez, uma enfermeira pediu que eu a ajudasse com um paciente que havia sido internado no dia anterior. Ele estava dando muito trabalho.
Era o Wanderley. Ele tinha 22 anos e era viciado em drogas. Estava no hospital porque, sob o efeito do narcótico, subira ao telhado da sua casa e, pensando que podia voar, caiu de lá e quebrou a perna.
Agora ele estava na tração. A tração é um aparelho que, entre outras funções, coloca o osso quebrado no lugar até que se possa fazer o procedimento necessário, como por exemplo, uma cirurgia. Os médicos furam o osso com uma furadeira elétrica, passam por ali um pino que atravessa, por exemplo, a perna, e nesse pino amarram um fio, que passa por uma roldana e é amarrado a uns pesos. Isso traciona o membro traumatizado, ajeita a quebradura no devido lugar, eliminando as fortes dores que geralmente o paciente sofre.
Enquanto nos encaminhávamos para o quarto, a enfermeira me informou que o Wanderley teimara em tirar a tração. Quando entramos ele não falou nada, mas continuou a desamarrar o fio.
“O que você está fazendo?” eu perguntei. “Estou tirando essa ***** daqui porque não agüento mais” respondeu ele com um palavrão. Com calma eu lhe falei: “Sabe a dor que você sentia quando chegou aqui? Pois é, vai voltar”. Na mesma hora ele parou o que estava fazendo e disse: “Não vou tirar mais”. Ao que retruquei afirmando: “Ah, vai! Agora vai! Me ajude aqui, enfermeira”. Quando ela se aproximou ele gritou que eu era louco, que não queria tirar e ainda prometeu se comportar. Com isso, a enfermeira e eu nos despedimos e saímos rindo.
No dia seguinte fui visitá-lo. Por vários dias lhe falei sobre Deus. Ele não queria saber.
Até que, numa determinada tarde, o Wanderley mandou me chamar. Quando cheguei, pude ver pela expressão do seu rosto que ele estava assustado. “Como é que se faz para irmos para o céu?”. Admirado eu lhe perguntei: “Ué, qual a razão desse súbito interesse?”.
Aí ele me contou o que tinha acontecido: “Eu pedi para as enfermeiras que me levassem ali fora no corredor. Elas me levaram na cama mesmo, por causa da tração, e me puseram numa posição em que batia um pouco de sol. Eu estava lá tranqüilo, tomando ar e vendo o movimento, quando passa um presidiário com a roupa cor-de-abóbora da cadeia e algemado. Ele estava escoltado por 2 policiais. Pois não é que um dos policiais me reconheceu, lembrou que tinha me vendido drogas, e também que eu não paguei! Ele jurou que vai me matar”.
Com calma lhe expliquei que ele precisava querer ir para o céu por amor a Deus, e não por medo do inferno. “Mas eu amo a Deus!” disse-me ele. “Vamos ver. Eu vou lhe dar 24 horas para pensar nisso. Se até lá você ainda quiser saber como se chega lá, eu ensino” foi a minha resposta.
- Mas e se eu morrer nesse tempo?!
- É um risco que você corre. São 4:02. Amanhã nesse horário eu volto.
Dito isso saí. Foram 24 horas de oração fervorosa.
Às 4 horas em ponto do dia seguinte entrei no quarto do Wanderley.
Ele ainda estava firme no seu propósito, mesmo sabendo que o policial já tinha ido e não tinha possibilidade de voltar. Falei-lhe do amoroso plano de Deus para a humanidade. Ele se converteu, oramos e lemos a Bíblia todos os dias até a sua alta após a cirurgia.
Dois meses depois aquele novo Wanderley me procurou no hospital. Estava firme, limpo das drogas, só com dificuldade para arrumar emprego. E firme com Deus.
Algum tempo depois (não lembro quanto, mas foi em um domingo pela manhã), eu estava saindo de uma Igreja na qual pregara, e quando já estava na calçada, ouvi me chamarem do outro lado da rua. Era o Wanderley sentado na sarjeta junto com uma moça. Tinham o aspecto de mendigos.
Fui até eles, recusando que alguns da Igreja me acompanhassem (“Para qualquer eventualidade.”), e imaginando que ele tinha voltado a se drogar. Pois não deu outra. Depois que ouvi suas explicações tão esfarrapadas quanto suas roupas, perguntei-lhe se queria tentar de novo. Com um pulo ele ficou de pé e disse que sim. A moça que estava com ele gritou:
- Não! Não me deixe morrer sozinha, Wanderley!
- Então vem comigo.
- Eu não quero largar a droga ... fica comigo.
O rapaz olhava desesperado para mim e para ela. Ela começou a chorar, e eu também, mas permaneci calado, enquanto ela repetia “Fica ... fica ...”. Isso durou eternos segundos. Lentamente ele se sentou ao lado dela e a abraçou.
Apontei para o pastor daquela Igreja que estava com alguns irmãos do outro lado da rua, e disse que se ele mudasse de idéia, podia procurar aquele homem que ele saberia o que fazer. Isso nunca aconteceu.
Será que o Wanderley ainda está vivo? Pelo tempo decorrido acho que não.
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