terça-feira, 2 de março de 2010

NÃO SEI PORQUE

Isso que vou contar aconteceu há muito tempo, e até hoje não tenho uma boa explicação. Fomos chamados lá no hospital para atender um paciente que, segundo nos informaram, estava muito nervoso e inquieto. Ele havia recebido a notícia de que teria que se submeter a um transplante, pois o seu coração estava extremamente dilatado devido a uma consequência da doença de Chagas, diagnosticada um dia antes.
Estava muito calor, mas muito calor mesmo. O pai do rapaz (o paciente tinha 25 anos) estava com ele no quarto e já não sabia o que fazer. Seu filho se sentava, logo em seguida já queria deitar, e logo depois queria sentar-se com as pernas para fora da cama e voltava a deitar-se. Considere que tudo isso ocorria com o rapaz ligado aos aparelhos que monitoravam seus batimentos cardíacos, mais o soro na veia. Como estava muito calor, eu sugerí que ele tomasse um banho. A idéia foi aceita, veio um enfermeiro, preparou o banheiro, desconectou os aparelhos, e o paciente se refrescou debaixo do chuveiro. Voltou para a cama que teve os lençóis trocados, colocou um pijama limpo e se deitou.
Uma vez que o rapaz estava acomodado, o pai falou que iria descer para trazer a namorada do paciente. O enfermeiro saiu para fazer outras coisas e, como o rapaz estava tranquilo, nós saímos prometendo voltar no fim da tarde.
Só foi nós todos sairmos do quarto e o paciente se livrou dos aparelhos, levantou-se e pulou de cabeça em um pátio interno do hospital, onde morreu.
No inquérito interno para apurar responsabilidades, um enfermeiro me perguntou se havia alguma coisa que poderia ter sido feita para evitar aquela morte. Quando respondi que sim ele se espantou e eu expliquei que poderíamos não ter saído do quarto, ou restringido (amarrado) o paciente ou coisas assim mas, quem iria imaginar que ele faria aquilo?
Mártir ou herói? Conversando com meu grande amigo Venâncio, a princípio concluí que não haveria outra designação para quem abre mão da vida. Mas parece-me que há uma triste opção, o morrer à toa.
Herói é aquele que põe sua vida em risco por obrigação. Ele é corajoso, admirado por todos por isso. É o caso dos bombeiros, soldados e outros mais.
O mártir morre por uma causa. Ele é admirado por aqueles que abraçam a mesma causa e desprezado por aqueles que não a abraçaram.
É importante que a morte tenha um sentido nobre. Isso é resultado de uma vida significativa, pois a morte, assim como o nascimento, faz parte do processo da própria vida.
E não há nada mais nobre do que viver e morrer por amor, pelo verdadeiro amor.
“Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos.” (1 João 3:16)
Qual o sentido do seu nascimento, vida e morte?
“Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro.” (Filipenses 1:21)

4 comentários:

  1. finalmente pude entrar e comentar, se o nosso viver não é pra Cristo, então não tem razão de ser.Ciça.

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  2. É isso aí...

    Nós temos vivido sem sentido, por isso não vemos sentido na morte... por isso também a tememos.
    Somente resgatando o sentido da vida a morte terá também sentido e poderemos ser como Paulo Apóstolo...
    Aí começa uma estética da morte, que além de uma boa morte, ortotanásia, deve ser também uma bela morte, com sentido, calotanásia...


    Paz,

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  3. Venâncio, "fala" mais sobre a calotanásia.
    Abraço, Xyko.

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  4. Caro Xyko,

    O assunto é muito interessante:

    CALOTANASIA (gr. kali - belo, tanatos - morte) literalmente bela morte.
    Conceito que introduz (ou tenta resgatar) uma estética da morte na tentativa de torná-la mais aceitável, uma vez que na nossa cultura atual, a morte é temida e negada.
    A morte, quando cercada de circunstâncias que a tornam nobre, muito mais do que boa, pode ser bela.
    Estética é a reflexão das experiências sensíveis baseada em critérios morais (o verdadeiro), éticos (o bem) e sensoriais (o belo). Harmonia, coerência, simetria... a estética da morte é muito mais que maquiar o defunto, comprar um lindo caixão e muitas flores para o velório...
    Alguns aspectos relacionados com uma boa morte (ortotanásia) mas que fazem parte e fundamentam uma bela morte (calotanásia):
    - ausência de dor e desconforto
    - desapego, decatérese (é aquela sobra de energia resultante da aceitação da morte, do desapego da vida, considerada a causa da famosa "melhora da morte")
    - respeito à autonomia do moribundo
    - integração social e familiar
    - reconciliação (lat. re + conciliare - estar junto, concórdia), perdão
    - paz (lat. pax, pangere - acordo, pacto)
    - sentido de vida (espiritualidade, fé)
    - amor (solidariedade - lat. solidus - sólido, união indissociável dos constituintes do mesmo organismo ou sistema)
    - resgate da coragem (figura do herói, que não teme a morte), idealismo (resgate da figura do mártir, morrer com sentido), altruísmo, nobreza...
    - mudança de perspectiva, coletiva e individualmente, com relação ao viver e ao morrer, entendendo a beleza e a nobreza do desapego da vida e da humildade de deixar este mundo para os mais novos e "melhores", colaborando com a evolução da Vida, da espécie humana e de todo a Criação.
    Parece que não basta querer, precisa "poder" ter uma bela morte, condição construída juntamente com uma "bela vida".

    “Quem para a vida sentido carece, também a morte sem sentido parece...”


    Muita Paz,

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