sexta-feira, 26 de junho de 2009

REJEITANDO A TERAPIA


Eu estava saindo do HC-UNICAMP, já lá fora, quando minha atenção foi atraída para um homem de talvez 40 e tantos anos, vestido com um pijama do hospital e um casaco de náilon por cima. Ele estava segurando um envelope pardo desses bem grandes que geralmente são usados para se guardar as chapas de raios-X. Aquele homem foi abordado pelos seguranças e encaminhado novamente para dentro do hospital. Ele estava fugindo.
No dia seguinte eu estava fazendo o meu trabalho dentro do Pronto Socorro quando um menino de uns 4 anos, vestindo apenas uma camisa e um casaco, totalmente pelado na parte de baixo, passa correndo por mim em direção à saída. Ouço e vejo uma médica pedindo para as pessoas segurarem o garoto. Os seguranças o seguram cuidadosamente até que a mãe o alcança e o segura não tão delicadamente. O garoto estava tentando fugir.
De vez em quando pacientes fogem do hospital. Por que será? Entendo que muitas vezes o tratamento é agressivo, invasivo, dolorido ou constrangedor. E às vezes é tudo isso. Mas é para o bem da pessoa.
Por outro lado, há aqueles que sofrem algum mal e não querem ser curados, pois sua enfermidade muitas vezes é a fonte de atenção, cuidados, companhia e carinho por parte dos outros. Isso sem falar naqueles que teem em seus males seu ganha-pão, como é o caso daqueles que perpetuam suas feridas para poder esmolar.
Jesus considerava essa possibilidade: “Estava ali um homem enfermo havia trinta e oito anos. Jesus, vendo-o deitado e sabendo que estava assim há muito tempo, perguntou-lhe: Queres ser curado?” (João 5:5-6)
Observe que espiritualmente é a mesma coisa. Ou a ação terapêutica é desagradável ou é o fim de uma fonte de lucro ou prazer. Fato é que muitas pessoas fogem para não serem tratados.
“Mesmo que você batesse num tolo até quase matá-lo, ainda assim ele continuaria tão tolo como antes.” (Provérbios 27:22 NTLH)

Um comentário:

  1. Caríssimo, esse é um assunto que muito me interessa como médico e como membro presidente do Comitê de Bioética do HC. Para iniciar gostaria de lembrar como o pensamento humano tem evoluído na sua história.
    Há mais ou menos 3.800 anos (1800 a.C.) apareceu a primeira “lei” que se tem notícia, o Código de Hamurabi. Nele temos a primeira menção da conhecida “Lei do Talião”, o famoso “olho por olho, dente por dente”. Hoje essa lei nos parece desumana, mas para a época ela foi um avanço enorme. Limitou-se a reação a no máximo a mesma atitude da ação. Antes eu pisava no pé de alguém e esse alguém podia me bater, matar a mim e a minha família e assim por diante (“Lei Draconiana”, desproporcional)...
    Foi um avanço, mas somente um milênio depois começou a aparecer em praticamente todas as tradições religiosas do planeta a famosa “Regra de Ouro” que diz “faça ao outro aquilo que gostaria que fizessem com você” (ou na sua forma negativa:“não faça ao outro...”). Essa atitude inaugurou o que chamamos de “ética da reciprocidade”. Ela prevalece até os dias de hoje e acaba justificando o que chamamos de “paternalismo médico”. O médico, na maior boa intenção, acaba decidindo pelo paciente aquilo que ele, médico, acha que é melhor para o paciente. Está aí a base da situação que chamamos de “recusa de tratamento”, que cada vez está mais frequente nos nossos dias. As pessoas querem o seu direito de expressar aquilo que acreditam ser melhor para elas, o que não necessariamente é aquilo que o médico acha que é...
    Bom, o único remédio para essa situação é uma boa comunicação entre o médico e o paciente e uma grande dose de boa vontade para ambos...
    Hoje, devemos respeitar a alteridade e somos todos desafiados a superar a Regra de Ouro em muitas situações, não só médicas.

    Paz,

    Venâncio

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