sexta-feira, 20 de novembro de 2009

RAZÃO DE SAIA CURTA (Rui Motta)

A questão da moral no seio da sociedade é um assunto de extrema
delicadeza e de conveniente profundidade, de forma que o preconceito e a
intolerância não se sobreponham aos direitos fundamentais de cada
cidadão. Os limites de comportamento impostos às pessoas apenas refletem
os padrões que são aceitos pela maioria, resultando no grau de aceitação
de cada um em seu grupo de identificação ou de afinidades culturais.
A homogeneidade de comportamentos é inaceitável. As pessoas têm caráter
e personalidade diferenciados, moldados a partir de inúmeros fatores
psicológicos, físicos, culturais, éticos ou mesmo estéticos, com total
liberdade de escolha pelo que lhes convêm, desde que respeitados os
limites da transgressão de valores da mesma sociedade.O caso de
flagrante intolerância envolvendo uma estudante da Universidade
Bandeirante (Uniban), de São Bernardo do Campo, teve uma repercussão
extraordinária pelo caráter inusitado dos fatos e seus desdobramentos,
expondo um momento de intolerância e violência tolerados, onde vários
princípios foram violados em nome de uma reação desmedida pela quebra de
um pretenso padrão de moral da instituição.
Fica evidenciado que a universidade tem o direito natural de estabelecer
os seus próprios padrões e rituais sociais, determinando os quesitos de
disciplina, vestimentas, atitudes dentro da escola, em pacto aceito
pelas partes. Mas têm também os educadores o compromisso e
responsabilidade de manter o nível de relacionamento em suas
instalações, não permitindo ou estimulando atitudes de agressão como as
registradas no caso. Ao retroceder na intenção de expulsar a aluna
envolvida no episódio, o reitor da Uniban cede posições ou busca uma
saída menos comprometedora do que as evidenciadas nas primeiras
manifestações, quando precipitou-se em julgamento moral que não lhe cabia.
Se a jovem teve algum comportamento indevido, nada justifica a
escandalosa repressão a que foi submetida. A óbvia desproporção entre o
fato de usar uma saia curta e a humilhação que lhe foi imposta mostra o
quanto o espírito de descomprometimento com limites sociais está
arraigado no espírito daqueles jovens, levados a uma espécie de catarse
coletiva irresponsável, de fundo e motivações dificilmente explicáveis.
Os jovens envolvidos demonstraram um laivo de desrespeito e infundada
intolerância, não compatível com os hábitos e costumes dos mesmos
estudantes, certamente expostos a situações onde as roupas e os atos não
são menos ousados e nem por isso suscitam reações de violência.
O episódio apenas adquiriu tal proporção por conta da ampla exposição
inicial na internet. Serve como um paradigma de reflexão sobre o
comportamento da nova geração, conflituosamente dividida entre a
liberdade e as indefinições de padrões. Uma geração que é bombardeada
por imagens, conceitos, informações e cultura não pode deixar de lado o
absoluto respeito ao direito dos demais e à natural diversidade de
padrões morais e estéticos. Menos que isso é mera hipocrisia.

Um comentário:

  1. Para mim o caso dessa moça explicita várias situações interessantes:
    Primeiro que a mídia precisa "produzir" notícias incessantemente (há inclusive interesse financeiro nisso, ficando o compromisso com a verdade em segundo plano - lembra da reflexão sobre PUREZA), por isso o recurso de "espetacularização" das notícias está cada vez mais frequente.
    Segundo que existe hoje em dia um "braço de ferro" entre o direito à liberdade absoluta, individualista e até egoísta, e o limite social de desempenho da liberdade (instituições, leis). Isso é uma "ressaca" pós-ditadura em nosso país... tudo que pode limitar nossa liberdade absoluta é retorno à ditadura, à opressão ("é proibido proibir", "sempre superar limites"). E esse movimento é capitaneado pela imprensa, tudo que a limita é considerado volta à "censura".
    Acredito que sem querer a garota protagonizou (pior, foi utilizada para...) uma disputa entre o individualismo pleno, que não deve satisfações a ninguém e a instituição, destroçada na pós-modernidade, que luta para se reconstruir... as instituições são principalmente a moralidade, as leis e a sociedade representada pela universidade...
    Um desajustamento de conduta (saia mais ou menos curta, não importa...) foi estopim para polarização e radicalização de posições defendidas passionalmente sem muita fundamentação e equilíbrio, tanto a atitude dos colegas, a reação da mídia (alimentada pelo uso da internet - Youtube) e a reação da universidade...
    É... somos uma geração privilegiada, nunca se gozou de tanta liberdade, mas em compensação também nunca se precisou tanto de leis e regras adequadas para a saudável convivência humana... nossa geração é a responsável pela reconstrução das instituições sem as quais não existe sociedade...

    Paz,

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