terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

DELIANE

A primeira vez que a vi foi no começo do meu trabalho lá no HC. Ela tinha 2 anos e pouco. Uma criança linda. Foi a primeira vez que tive contato com um paciente que foi acometido pela Síndrome de Werdnig-Hoffman. Essa doença paralisa de forma progressiva e irreversível, a começar pelos membros, todos os músculos do corpo, menos os da face. Acomete crianças com até 2 anos, e chega ao ponto em que o paciente precisa até do auxílio de um respirador mecânico.
Nosso primeiro encontro foi na UTI-PEDIÁTRICA do HC-UNICAMP. Era uma visita para eu conhecer aquela unidade e ela estava lá, no seu berço. Olhos negros e grandes, ela me acompanhava com um olhar curioso e simpático. Me apaixonei na hora.
A mãe, que era de Indaiatuba, uma cidade aqui perto de Campinas, vinha vê-la toda segunda, quarta e sexta-feira. Ela não podia dormir com a filha no hospital porque tinha outros filhos, não lembro quantos, e vinha nos dias em que a Prefeitura oferecia o transporte. Eu ia vê-la todo dia.
A Deliane era muito vaidosa. Ela gostava de escolher a roupa que ia usar. A enfermeira antes do banho mostrava para ela os vestidinhos e, através de caretas ou sorrisos, ela determinava qual iria usar quando já estivesse cheirosinha.
Aí eu chegava. Com a ajuda de uma enfermeira, que me ajudava a lavar as mãos, forrava meu colo com uma fralda, pegava a Deliane e, com muito jeito por causa dos tubos aos quais ela ficava ligada, eu a pegava no colo. Brincava com ela. Cantava com ela. Ou simplesmente ficávamos nos olhando.
A mãe disse que ela me ouvia chegando; quando eu falava com alguém na entrada da Pediatria, ela virava os olhinhos na direção da porta e sorria. Eu a chamava de minha Princesa.
Uma noite, uma moça da limpeza encontrou a Deliane totalmente cianótica, roxa devido à falta de oxigênio. Houve uma falha do aparelho, que parou e não disparou o alarme. Os médicos tentaram reanimá-la, mas não adiantou, ela morreu.
Na tarde daquele dia eu percebi que todos me cumprimentavam e rapidamente se afastavam, ou mesmo me evitavam. Até que a minha amiga Rosângela, fisioterapeuta, me contou e explicou que as pessoas estavam sem coragem de me dar a má notícia. Foi a minha primeira perda significativa dentro daquele hospital. Confesso que naquele dia eu cheguei a pensar em largar aquele trabalho, mas Deus me ajudou a administrar minhas emoções e estou lá até hoje.
A curta vida da minha Princesa, apesar de limitada e sofrida, não foi em vão, de forma alguma. Ela foi a primeira a me ensinar a viver o verdadeiro amor, que é dar sem esperar nada em troca. “Amai (...), fazei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga (...).” (Lucas 6:35)
Não esperava, mas recebi muitíssimo amor, alegria e felicidade da Deliane.
Estou com muitas saudades dela.

3 comentários:

  1. é realmente dificil amar sem esperar nada em troca, mas é assim que temos que viver, amar sem esperar nada em troca.
    Gordo nunca desista do seu trabalho no hospital , foi Deus que te colocou lá, por mais dificil que seja, mas lá vc esta amando aquelas pessoas e falando de Deus pra elas, quanto a saudade da Deliane, vc cumpriu com seu proposito na vida dela, e pode ter certeza que ela já esta na Glória com Deus, esperando pra encontrar com vc lá embaixo da árvore como vc sempre diz.....
    Ciça.

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  2. Caro Xyko,

    Alguns autores estadunidenses fazem diferença entre os conceitos de empatia e simpatia. Empatia é considerado a parte mais cognitiva da relação, implica entender o sentimento dos outros e conseguir se comunicar (ou não) sobre ele. Já simpatia seria a parte mais emocional da relação, é vivenciar os sentimentos de forma profunda, o que pode gerar muito sofrimento pessoal, desgaste e, entre os profissionais da saúde, pode acabar em "burn-out" (um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso).
    Para nós brasileiros, lidar com esses sentimentos nem sempre é fácil. Talvez o termo "compaixão" represente melhor o equilíbrio entre empatia e simpatia, equilíbrio esse que deve ser sempre almejado por todos nós...
    Bom, o nome Deliane (D'eliane) evoca o brilho solar (helios), o calor e a luz... certamente a pequena continua luminosa até hoje, só que no colo do Papai do Céu...


    Muita Paz,

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  3. Xyko,
    Lembrei da vez que estava triste e você me falou que eu estava tendo a oportunidade de viver o verdadeiro amor. Realmente, viver o verdadeiro amor, o genuíno, aquele que não espera nada em troca (nem mesmo amor) não é fácil e nem para todos. Agradeço a Deus todos os dias por esta oportunidade. E sei que você a tem, de amar, doar, sem esperar nada em troca.
    Oro e agradeço a Deus pela sua vida, que é muito preciosa para eles e para nós.
    Deus o abençoe.

    Flávia

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